quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Antologia

Janeiro: aniversário de Eugénio de Andrade.

Pretexto para uma homenagem a este poeta de grande prestígio nacional e internacional, muito traduzido, e que recebeu inúmeros prémios e distinções.


«Nas palavras do próprio Eugénio de Andrade (Rosto Precário), a sua poesia afirma-se como o "lugar onde o desejo ousa fitar a morte nos olhos".
Eugénio de Andrade surge como o poeta da "correlação do corpo com a palavra" , da sexualidade trabalhada verbalmente até atingir uma "zona gramatical cega", onde o referido sexual não tem género gramatical referente porque o discurso em que vive pertence já a uma dimensão cuja musicalidade representa a recuperação de uma voz materna intemporal. »



A palavra ao poeta!

.....................................


A boca,

onde o fogo
de um verão
muito antigo
cintila,

a boca espera

(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)

espera o ardor
do vento
para ser ave,

e cantar.

..............................................................................

Húmido de beijos e de lágrimas,
ardor da terra com sabor a mar,
o teu corpo perdia-se no meu.

(Vontade de ser barco ou de cantar.)

..............................................................................



Poema à mãe


No mais fundo de ti,
eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o menino adormecido no fundo dos teus olhos.

Porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa:
esqueceste que as minhas pernas cresceram
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me - às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura
dei às aves os meus olhos a beber.


Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim
e deixo-te as rosas.


Boa noite. Eu vou com as aves.

...............................................................................

2 comentários:

@ntonio Silva@ disse...

Lindos poemas de grande poeta.
Gostei de visitar o seu espaço.
Voltarei !!!

Dia feliz !
Antonio

BYBLOS disse...

Tens muito dentro de ti de poesia e sabedoria. É delicioso "folhear" o teu blog.Parabéns