segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Antologia poética


Dedicatória:
À Íris, ao Francisco e ao João (os meus três netos,
nascidos a 22/2/93; 7/8/2006; 29/9/2008)
À Ana, à Mónica e à Carla (as mães)
Ao Miguel e ao Francisco (os pais)



Pequeno Poema


Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais…
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
Não enlouqueceu ninguém…

P´ra que o dia fosse enorme, bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe…


Sebastião da Gama, Serra-Mãe

sábado, 6 de setembro de 2008

Os azares de uns...

-Isto do negócio dos reboques, tem estado um bocadinho mau… - dizia o motorista, enquanto guiava o seu camião, rebocando um carro avariado. -Hoje, desde as quatro e meia que o trânsito tem sido assim… - E apontava a estrada cheia de luzes: médios, faróis de nevoeiro e de travão, tudo aceso… Centenas de carros, num e noutro sentido…
Continuou:
- Hoje até havia mais trabalho, mas nós nem podemos fazer mais; não conseguimos lá chegar… Demora-se muito tempo para fazer 2 Km, não podemos acudir a todos… Foi o 1º dia de chuva, está a ver?...

O dono do automóvel, à boleia do camião, estava a ver, sim. Suspirava de alívio. Deixara de estar parado exactamente a meio da faixa de rodagem, repartida em três vias, com motor ligado, para poder conservar todas as luzes acesas e mais algumas, com destaque para as de perigo, claro, mas ainda assim nada confiante de que não corresse mesmo perigo, no meio da intensidade de tráfego dos milhares de carros impacientes que por ele haviam passado, a toda a velocidade, já noite cerrada, chuva intensa, durante aquelas duas horas de espera pelo reboque…
De vez em quando soava uma buzinadela: talvez uma reprimenda, por se ter metido à estrada com um carro velho que “morreu na contramão, atrapalhando o tráfego”…, como na canção…
(Ainda por cima!...)

- Eu já devia estar em casa há duas horas e meia, mas nem sei se sigo já para lá… Moro daquele lado, sabe?... Hoje há trabalho, o patrão pede… Depois recompensa-nos… - e seguia decidido e animado, indiferente à fila de trânsito, desatento à contrariedade do socorrido.

O dono do automóvel também. Já estaria em casa há mais de duas horas, se não fosse aquele contratempo.
Carro velho, mas estimado. Todas as revisões em ordem. Inspecções sem mácula. Nada faria prever, ao lançar-se à estrada, que iria parar mais adiante, ao meter uma prudente 3ª que lhe deixou a alavanca de mudanças a bailar na mão…
De noite. Numa 6ª-feira! Muitos de regresso a casa, na margem sul, outros de partida, prontos para o fim-de-semana…
Em plena auto-estrada, a caminho da ponte!...

De boca aberta, fazendo uma rápida avaliação da caricata situação a ser vivida, com surpreendentes reflexos rápidos, ligara de imediato as luzes de perigo, evitando o pior… Em segundos, estabelecera contacto com a assistência em viagem… e, pacientemente, só lhe restara esperar. Sem desesperar…
A ver os carros aproximarem-se e desviarem-se, pelo espelho retroprojector…
Com grande alívio por nada mais lhe acontecer, nesse dia de estreia do colete de segurança…
Sem se arrepender, afinal de contas, do passeio que dera, por uma decisão impulsiva e imprevista, embora a chuva, com que não contara, lhe retirasse fulgor. Aparentemente muito jovem, o motorista conduzia aquele pesado camião de forma segura, com a ligeireza com que se manobra um pequeno automóvel. Eficiente, profissional, vestia a camisola da empresa. Seguramente um empregado a conservar, a estimar. Mesmo neste nosso mundo, em que nem sempre o valor de cada um é recompensado.
Completou a tarefa, deixando o carro inerte estacionado à porta da garagem onde iria ser reparado. Um estreito beco sem saída que o não perturbou. Sem hesitação, improvisou uma forma eficaz de o deixar estacionado à primeira. E rapidamente descolou para mais um serviço, agendado através do telemóvel, sempre a tocar, após uma despedida tão simpática quanto breve.

Um dia de chuva que revitalizou o negócio.
O automobilista-peão fazia contas de cabeça, enquanto recolhia, finalmente, a casa.
Os azares de uns… são a sorte de outros.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Nuvens no horizonte... da saúde!

São mulheres. De todas as idades. De aparência mais ou menos cuidada; mais ou menos atraentes e elegantes.
Não conversam. Estão ali, ocasionalmente, por uma mesma razão. Preparam-se para fazer exames médicos delicados, precisamente ao que as distingue na sua condição de mulher: os seios, o útero.
Após a chamada, numa segunda sala de espera - confortável, de paredes claras e sobriamente decorada - trazem já vestida uma bata sobre o peito nu.
Mantêm uma postura serena; contudo, não conseguem disfarçar uma pontinha de ansiedade, quer ali se encontrem por uma questão de rotina ou para um exame prescrito na sequência de sintomas observados… Sobretudo estas.
Reina o silêncio. Têm ar distraído ou pensativo. Rostos sérios ou crispados. Um pé abana como conta-minutos: tic-tac, tic-tac… Uns olhos vermelhos são diques reprimindo lágrimas, prontas a despenhar-se…
As revistas mais ou menos cor-de-rosa, ao alcance da mão, dificilmente lhes captam o desejo de ler, tanto mais que vão bebendo regularmente água, adicionando mau-estar ao que já sentem…
Em breve (“Deus queira que não”), poderão confirmar diagnósticos e suspeitas. Saber o que prefeririam ignorar.
Amadureceram aprendendo a lutar pela sua emancipação; pela igualdade. São donas de casa eficientes, esposas, mães atentas, exímias malabaristas na gestão de orçamentos familiares, profissionais competentes. Com falhas previsíveis em quem pratica o “tudo-em-um”. Lutadoras. Vencedoras.
Frágeis.
Receiam, neste momento, ser vencidas por uma doença que se instalou silenciosamente, cresceu traiçoeiramente… Poderá soar o toque a reunir forças, para tentar vencer um combate desigual. Afinal esse exame momentâneo, prestes a ser feito, condicionar-lhes-á o futuro…
Haja o que houver, cabe-lhes a habitual responsabilidade de não beliscar o bem-estar e a alegria daqueles que as rodeiam: um propósito que as força à coragem.
Elas já viram rostos em capas de revista, leram reportagens; sabem que há histórias de sucesso. Para mais, ainda há esperança: pode nem ser nada!
Apenas desejam ser saudáveis. Viver. Apenas.
Como as felizardas que, em breve, ouvirão o veredicto do médico que as observar: “Está tudo bem!”.
Como eu, felizmente.