sexta-feira, 28 de março de 2008

À chegada, emoções em desfile...

É nas alturas de festa que a solidão mais pesa…
É para estas ocasiões que se programam uns dias de férias. E que mais se viaja. Quer pela ânsia de uma fuga à rotina, gozando alguns dias de descanso, retemperadores de energia. Quer buscando companhia de familiares e amigos distantes. Talvez por ambas as razões, num “2 em 1” voluntário, consciente… Por desejo, por tradição.



E então é ver as intermináveis filas de veículos nos acessos às auto-estradas rumando a norte e a sul; o tráfego intenso nos terminais de autocarros, onde o afluxo de passageiros conduz à lufa-lufa de desdobramentos contínuos de carreiras e ao corre-corre de quem pretende localizar o número do seu autocarro e respectiva linha; a idêntica canseira nas estações de caminhos-de-ferro, lendo placas informativas, correndo à procura da plataforma e da carruagem certa, no meio daquele longo comboio tão cheiinho delas e que não espera por ninguém…

Idêntico é o corropio, nos aeroportos. Aí se assiste à permanente e sucessiva chegada de passageiros, carregados de malas, prontos para embarcar - conformados em sujeitar-se, depois de tantos e tão cansativos preparativos de viagem, a um check in obsessivo e sem sentido, em nome do temor do terrorismo..., como se este não tivesse que ser, por natureza, inesperado e criativo, para apanhar todos desprevenidos, a cada nova investida!...

Do outro lado, nas chegadas, aglomera-se uma multidão que espera, impaciente, familiares ou amigos, prontos para o abraço e o convívio. Tardam.

O desfile de gente que desembarca é permanente. Os olhos lançam-se ao desafio de identificar, pela forma de vestir, pelo colorido das roupas e do tom de pele, pela língua que falam, o país de onde virão, o voo de que terão desembarcado… Tarefa muito dificultada, neste nosso mundo global e cosmopolita. Onde ninguém é “ateniense nem grego” e cada um é, por direito próprio, cidadão do mundo!

Os olhos de quem espera lançam-se à aventura de identificar o pai, o filho, a avó, o neto, a namorada, o amigo…, mal este transponha aquela larga porta, precedido do carrinho das bagagens, talvez, desta vez, com um traje mais formal ou, pelo contrário, com o habitual boné do Sporting e umas “havaianas” nos pés…

A vida desfila num aeroporto, carregada de emoção… Exibe-nos profissionais ou estudantes, sonhando férias… turistas com ânsia de sol e de deleite-de-ver-mundo... Conta-nos histórias de aventura, de ausência, de saudade, de amizade e amor…

A criança trepa o corrimão, corre para o pai, salta-lhe para o colo em que se aninha, preso ao seu pescoço, assim descendo a rampa, enquanto a mãe, a esposa, corre ao encontro de ambos, na outra extremidade…

A neta, mais crescida desde a última despedida, foi prontamente reconhecida… Mais fácil foi para ela reconhecê-los (eles estão iguaizinhos!)… Saltou prontamente para o solo, galgando o corrimão, e abraçou-os longamente… Consolava, no seu português com sotaque, a sua avó que, não conseguindo estancar as grossas lágrimas, limpava-as com um largo sorriso escancarado no rosto…

Um casal de turistas procura atentamente o seu nome, escrito numa placa… Um porto seguro…

Ouve-se um grito de alegria, num nome pronunciado à distância… Acena-se. Estendem-se braços para os quais alguém corre prontamente…


O filho vem de férias, finalmente. Os seus melhores amigos fizeram questão de estar presentes e empunham uma mensagem: “Bem-vindo a casa, Francisco!”… Depois de largar as malas e de saborear longamente, com os pais, a saudosa refeição (já preparada), os jovens irão divertir-se juntos... Que saudades de Lisboa!...

Os escuteiros vinham fardados, animados. A meio da rampa, fizeram ouvir a sua voz em uníssono, fazendo-se anunciar num hino solidário que ecoou fortemente naquele enorme salão…

O velho casal chega de férias… E lá está a família, feliz, à sua espera. Os presentes vêm na mala!... A alegria do reencontro com os avós é genuína, desinteressada... Mas que a prendinha é esperada, quem duvida?...

Descem olhos ansiosos, em activa busca de alguém que ainda não avistaram: talvez ele se tenha atrasado… talvez só o conheça ainda virtualmente… O momento é de intensa expectativa...

Lá ao fundo, aquele jovem casal reencontra-se e funde-se num prolongado beijo apaixonado… O carro das bagagens gira abandonado, seguindo por instantes um movimento de inércia, em perfeita liberdade...

Há também aqueles que ninguém espera. Turistas, quase todos. Mesmo quando disfarçam a intenção de permanecer, para além do tempo permitido pelo seu visto e data de viagem de regresso, dispostos a lançar-se numa aventura clandestina.

Mas é também o caso daquele outro que viaja em serviço, por rotina. Traz a sua malinha com rodas, apanha um táxi e segue, confiante e livre…

Em contrapartida, há os turistas cujos amigos os esperam. Turistas recorrentes que voltam ao mesmo sítio a que muitos laços afectivos os ligam.

É o caso dos Ericsson, Nystrom e Jarl que, há mais de vinte anos, regressam a Portugal, anualmente, para quatro ou cinco intensos dias de sol, mar, sabores, repouso em contínuo movimento e vivência da amizade.

As emoções vibram a cada passageiro que chega, a cada minuto que passa… e corporizam-se num arrepio que percorre a espinha do espectador atento… Comovi-me, com frequência! Absorta a observar, sem o impulso de fotografar, apertando a máquina entre as mãos.

Sem emoção, não há vida.
E a vida é clara e emocionalmente vivida, nas “chegadas” de um aeroporto!







terça-feira, 11 de março de 2008

Antologia

Forma de Inocência

Hei-de morrer inocente
exactamente como nasci.
Sem nunca ter descoberto
o que há de falso ou de certo
no que vi.

Entre mim e a Evidência
paira uma névoa cinzenta.
Uma forma de inocência,
que apoquenta.

Mais que apoquenta: enregela
como um gume vertical.
E uma espécie de ciúme
de não poder ver igual.

António Gedeão

terça-feira, 4 de março de 2008

Avaliar a avaliação: urgentemente!...

Assistimos a debates televisivos, ouvimos programas de rádio. A Educação está na ordem do dia. Por maus motivos.

A opinião pública, que em estudos recentemente revelados se mostrava generosa na avaliação do papel dos professores, parece agora vacilar. Abundam subentendidas acusações; sobejam assumidas críticas; ressaltam demasiadas desconfianças e dúvidas… Do mesmo modo que somamos apoios substanciais.
Radicalizam-se posições. Urgem soluções.

O Ministério não escuta fundadas inquietações desta classe profissional e, de igual modo, mantém-se surdo a decisões recentes dos tribunais.
Permito-me perguntar: uma tão grande mobilização de professores de norte a sul do país seria esperada se a preparação deste novo processo de avaliação tivesse sido atempada e devidamente conduzida?...
A lei, publicada em Janeiro, terá saído na melhor altura? Para ser preparada agora e implementada, experimentalmente, no próximo ano lectivo, talvez! Para ser posta em prática num ano lectivo que começou em Setembro, sendo este um modelo que não foi previamente testado e que tantas implicações negativas pode vir a ter na carreira destes profissionais - como é possível concebê-lo?!

Alguém considera que a escola tem condições para, a meio do ano, a meio de um segundo período curtíssimo, planear e executar todas as alterações a documentos orientadores, tais como o Projecto Educativo de Agrupamento, o Projecto Curricular de Agrupamento, o Plano Anual de Actividades de Agrupamento, as inúmeras grelhas de avaliação de toda a espécie para avaliar toda a gente e todos os sectores da escola… e implementar tudo, no decorrer deste mesmo ano lectivo, por mais alargado e flexível que este prazo seja?... Sabendo-se do acréscimo de horas para reuniões e para trabalho prévio que todo este processo implica?... É humanamente impossível, por mais boa vontade que exista!

Não será melhor que o Ministério conceba fazer uma pausa para entender as dúvidas e as dificuldades de quem está no terreno, em vez de partir do princípio que são todos “da oposição”? Que “quem quer trabalhar, trabalha”?... Ou, simplesmente, pretender acreditar que somos um bando de incompetentes, com medo da avaliação?...

Quem fez da escola a instituição reconhecida que hoje é, senão os próprios professores?
E é fácil entender que o fizeram sem esperar a recompensa de uma boa nota, de uma progressão na carreira ou de quaisquer honras pessoais, mas apenas guiados pelo sentido de responsabilidade e pelo prazer de levar a cabo os projectos em curso. Pelos alunos! Pela escola pública!

Merecemos confiança. Merecemos ser agora compreendidos e atendidos numa pretensão tão simples quanto esta: preparemos tudo, com tempo; repensemos e ajustemos critérios de avaliação; retiremos o que é subjectivo e que não depende da nossa acção directa; experimentemos tudo, numa primeira fase; implementemos, finalmente, um modelo de avaliação justo em 2009/2010.
É a minha opinião.

Uma coisa é certa: esta situação não serve a ninguém.
Há que encontrar saídas. Urgentemente.