Alô, SSAP!
Combinámos partilhar memórias. Falar delas, talvez escrevê-las. (Estão lembrados?)
O nosso reencontro vem aí, muito em breve...
Pensei nisso. Lembrei-me de como a minha mãe me ajudou a gostar de ler...
Uma memória de gratidão.
Aqui vai!
Oiço muito boa gente falar de
histórias que lhes contavam na infância, de poemas que aprenderam a recitar e que
sabem de cor. De grandes bibliotecas que havia lá em casa e de pais leitores.
De livros proibidos, alguns fechados à chave, que aguçavam o prazer de ler. De como
isso contribuiu para o seu gosto pela literatura.
Posso estar a ser injusta, mas
creio que não tive essa sorte. Na verdade, não conservo sequer a memória de escutar
histórias ao deitar. Tal não me surpreende: a minha mãe sempre pôs em primeiro
lugar ter a casa num brinquinho, não deixar
nada à espera do dia seguinte, despachar-se para finalmente repousar, gemendo
de cansaço até dar por findas as tarefas de cada dia.
Esta mãe, professora que o marido
não quis que trabalhasse “fora de casa”, exercendo a sua profissão, tornou-se
doméstica exímia. Não deixou, contudo, de ser uma grande promotora de leitura.
Era escasso o plafond financeiro, oh se era!, mas
comprava-me livros, quando eu pedia e ela podia. Não arranjava tempo para os
ler comigo, realmente não, mas dispunha-se a ouvi-los; ela lidando e eu lendo.
Lembro-me de, por norma, eu o fazer sentada na mesa da cozinha. Ou então na
varanda. De ler com prazer, acreditando dar-lhe esse mesmo prazer, enquanto cozinhava ou cosia. Provava-me
estar atenta. Pelo meio, dava-me um sinónimo, respondia-me a alguma dúvida,
rematava a leitura com um provérbio…: Querer
é poder. Devagar se vai ao longe. Mais vale um
pássaro na mão do que dois a voar. Quem ri por último, ri melhor.
A estrutura de uma carta e de um
envelope, também as apreendi com a sua ajuda. Era escrita regular para família
que vivia a duas semanas de viagem de navio a vapor, isto é, além-mar, a milhas
de distância… Começava-se pelo rascunho - que era depois corrigido e passado a
limpo. E a seguir passado a limpo tantas vezes quantas as necessárias, até
ficar sem erros de ortografia nem rasuras, e sem apresentar nenhum dos temíveis
borrões da caneta de aparo ou da de tinta permanente que eram usadas nesse
tempo. Tudo a ser reescrito cada vez com maior sacrifício e com mais ralhetes
pelo meio. Até vir o suspiro libertador: “Enganaste-te outra vez aqui…, mas pronto,
fica assim!”… (Ainda oiço esse suspiro.)
Era professora, daquele tempo, pois.
(Já disse, não é verdade?...)
Ora a minha mãe, com a sua
formação e recursos, a seu modo, foi a minha mediadora de leitura e escrita. Conservo
esta paixão.
Sempre é verdade que todos os caminhos vão dar a Roma.
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