segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Em demanda do mirandês…



Andei recentemente por Miranda do Douro. Como qualquer turista, com a planta da cidade na mão, caminhei ao longo da muralha pré-românica, visitei o castelo, percorri ruas e largos, observei monumentos e edifícios, entrei aqui e acolá, desci ao cais, fui admirar Miranda da outra margem do Douro… e subitamente entrara em Espanha! Deliciei-me com uma posta mirandesa. Comprei amêndoas e figos secos. Ouvi bombos e gaitas-de-foles, em música bem alegre e ruidosa… Faltou cruzar-me com pauliteiros, o que a curta visita não proporcionou.
Levava a curiosidade de perceber até que ponto a língua local ganhara relevo no quotidiano da cidade, volvidos quase 14 anos desde que recebeu o estatuto de 2ª língua oficial portuguesa. De ouvido à escuta, raras foram as conversas que escutei em mirandês. Nomes de restaurantes e lojas, exibem-se em português. Nomes das ruas e placas turísticas informativas, no Centro Histórico – estes sim, bilingues.
Queria saber mais. Comecei por falar com a Inês, aluna do 5º ano, de sorriso largo e olhar amistoso. Contou-me que aprende mirandês desde que entrou no Jardim de Infância. Agora que frequenta o 2º ciclo, tem todas as disciplinas que têm os meninos do seu país e, como opção, também Mirandês. Toda a turma escolheu mais esta disciplina; só dois colegas não.
- E em que momentos falas tu o mirandês, Inês?
- Falo com os meus avós, nas aulas e, às vezes, no pátio, quando brinco com os meus colegas.
Pedi à Inês que me dissesse algo nessa 2ª língua, o que ela fez, alegremente. Compreendi. Língua românica como o português..., denunciadora da proximidade de Espanha, sem dúvida.
A funcionária do Turismo, percebendo o meu interesse, encorajou-me a percorrer as aldeias da região, onde o mirandês é comummente ouvido, ao contrário do que sucede na cidade.
Na Biblioteca, nova opinião… Que sim, mas que as aldeias se desertificaram. Que há novos moradores vindos de todo o lado e o mirandês não é tão ouvido como dantes. «Era uma língua de cariz popular, usada em família e na comunidade, para falar das alfaias agrícolas, dos animais, enfim, da vida… Transformou-se. Era oral e hoje é escrita. Era uma língua do Povo; hoje é uma língua de eruditos que a estudam e registam (e que nem sempre concordam entre si). Enriquecem-na com novos termos para novas realidades dos novos tempos. E já não parece a mesma!… Há um programa de rádio em mirandês, mas como soa diferente da língua dos nossos avós!»
Três testemunhos. Três pontos de vista com que a repórter às três pancadas satisfez a sua curiosidade.
Pareceu-me prometedor o futuro da 2ª língua portuguesa, ao conversar com a Inês: se já as novas gerações a aprendem e usam, para comunicar entre si!… Quanto aos avós, continuarão a falar com netos e vizinhos, a seu jeito, perpetuando a sua língua despretensiosamente, como sempre - assim dure a vida!… Os eruditos tudo farão para a dicionarizar, inscrever numa gramática, preservar. Afinal, todas as línguas vivas mudam consoante tempos, influências e vontades…
A língua mirandesa resistiu a ditadura e repressão. Não sobreviverá mais facilmente agora?!…
Se dúvidas persistem, o tempo as resolverá...


10 comentários:

Anónimo disse...

Fantástica reportagem!
Parabéns reporter às três pancadas...
Joaquim

Manuela Caeiro disse...

Senti-me jornalista feita à pressa, explorando um tema em entrevistas sucessivas, um tanto de improviso... Uma "repórter às três pancadas", de facto!!! :-)))

Anónimo disse...

O fruto quando é proibido é sempre mais apetecido.
Com uma posta mirandesa e um bom tinto da região, eu garanto que fico logo no 1º serão a falar à moda deles.
Bem apanhado o tema, não foi lá só para ver o planalto!
Zécarioca

Manuela Caeiro disse...

Percebo a graça, mas... sejamos claros: língua entaramelada não fala língua nenhuma!!! :-)))

Anónimo disse...

Apreciei o relato desta tua visita turística, sobretudo a tua curiosidade e colheita de opniões dos naturais.
Já lá estive e recordo-me da visita à Sé onde vi o Menino Jesus da Cartolinha, exemplar raro da iconografia cristã.

Parabéns Manela.
Josefina

Manuela Caeiro disse...

Olá, Tia Josefina!
O Menino Jesus da Cartolinha foi aqui bem lembrado! Obrigada! Já agora, a lenda que saiu no Diário de Notícias, em 14 de janeiro de 2000, vem a propósito: «...esta é do tempo da Guerra da Restauração. Estando Miranda cercada e quase perdida, escasseando os alimentos e não aparecendo reforços (...) às tantas ouviu-se um grito sobreposto às palavras dos que aconselhavam a rendição. Um grito galvanizador. E entre lanças, espingardas, espadas e enxadas, pás, machados e picaretas, a turba mirandesa abriu as portas, mas não para se render. Caiu, isso sim, sobre os castelhanos, correndo com eles. Quem deu o grito? Quem os comandou? Pois, um menino. Um menino que todos diziam estar assim vestido, o Menino Jesus da Cartolinha.(...) Promoveram-no capitão da tropa lusa e no dia de Santa Bárbara ele vai em procissão.» O jornalista acrescenta que este Menino tem sexo. E explica, com alguma ironia: «Pois, para a arrancada vitoriosa, no âmbito do machismo nacional, ou os tinha no sítio ou a esta hora em Miranda do Douro falava-se mais espanhol do que se fala aos fins-de-semana...»

Anónimo disse...

Gostei da lenda que está muito bem transmitida. Dás bons ensinamentos.

Um beijo,

Josefina

altina mar disse...

mana especial sempre

altina mar disse...

mana sempre especialíssima

Manuela Caeiro disse...

Olá, mana Altina! Tão grande elogio por tão pequena tarefa?... ;-) Obrigada!