Andei recentemente por Miranda do Douro. Como qualquer
turista, com a planta da cidade na mão, caminhei ao longo da muralha
pré-românica, visitei o castelo, percorri ruas e largos, observei monumentos e edifícios,
entrei aqui e acolá, desci ao cais, fui admirar Miranda da outra margem do Douro…
e subitamente entrara em Espanha! Deliciei-me com uma posta mirandesa. Comprei amêndoas e figos secos. Ouvi bombos e gaitas-de-foles, em música bem alegre e ruidosa… Faltou cruzar-me com pauliteiros, o que a curta visita
não proporcionou.
Levava a curiosidade de perceber até que ponto a língua
local ganhara relevo no quotidiano da cidade, volvidos quase 14 anos desde que
recebeu o estatuto de 2ª língua oficial portuguesa. De ouvido à escuta, raras
foram as conversas que escutei em mirandês. Nomes de restaurantes e lojas, exibem-se
em português. Nomes das ruas e placas turísticas informativas, no Centro Histórico – estes sim,
bilingues.
Queria saber mais. Comecei por falar com a Inês, aluna
do 5º ano, de sorriso largo e olhar amistoso. Contou-me que aprende mirandês desde
que entrou no Jardim de Infância. Agora que frequenta o 2º ciclo, tem todas as
disciplinas que têm os meninos do seu país e, como opção, também Mirandês. Toda
a turma escolheu mais esta disciplina; só dois colegas não.
- E em que momentos falas tu o mirandês, Inês?
- Falo com os meus avós, nas aulas e, às vezes, no
pátio, quando brinco com os meus colegas.
Pedi à Inês que me dissesse algo nessa 2ª língua, o
que ela fez, alegremente. Compreendi. Língua românica como o português..., denunciadora
da proximidade de Espanha, sem dúvida.
A funcionária do Turismo, percebendo o meu interesse, encorajou-me
a percorrer as aldeias da região, onde o mirandês é comummente ouvido, ao
contrário do que sucede na cidade.
Na Biblioteca, nova opinião… Que sim, mas que as
aldeias se desertificaram. Que há novos moradores vindos de todo o lado e o
mirandês não é tão ouvido como dantes. «Era uma língua de cariz popular, usada em
família e na comunidade, para falar das alfaias agrícolas, dos animais, enfim, da vida…
Transformou-se. Era oral e hoje é escrita. Era uma língua do Povo; hoje é uma
língua de eruditos que a estudam e registam (e que nem sempre concordam entre si).
Enriquecem-na com novos termos para novas realidades dos novos tempos. E já não parece a mesma!… Há um programa de rádio em mirandês, mas como soa diferente da
língua dos nossos avós!»
Três testemunhos. Três pontos de vista com que a repórter às três pancadas satisfez a sua curiosidade.
Pareceu-me prometedor o futuro da 2ª língua portuguesa, ao
conversar com a Inês: se já as novas gerações a aprendem e usam, para comunicar
entre si!… Quanto aos avós, continuarão a falar com netos e vizinhos, a seu jeito,
perpetuando a sua língua despretensiosamente, como sempre - assim dure a vida!…
Os eruditos tudo farão para a dicionarizar, inscrever numa gramática, preservar.
Afinal, todas as línguas vivas mudam consoante tempos, influências e vontades…
A língua mirandesa resistiu a ditadura e
repressão. Não sobreviverá mais facilmente agora?!…
Se dúvidas persistem, o tempo as resolverá...
10 comentários:
Fantástica reportagem!
Parabéns reporter às três pancadas...
Joaquim
Senti-me jornalista feita à pressa, explorando um tema em entrevistas sucessivas, um tanto de improviso... Uma "repórter às três pancadas", de facto!!! :-)))
O fruto quando é proibido é sempre mais apetecido.
Com uma posta mirandesa e um bom tinto da região, eu garanto que fico logo no 1º serão a falar à moda deles.
Bem apanhado o tema, não foi lá só para ver o planalto!
Zécarioca
Percebo a graça, mas... sejamos claros: língua entaramelada não fala língua nenhuma!!! :-)))
Apreciei o relato desta tua visita turística, sobretudo a tua curiosidade e colheita de opniões dos naturais.
Já lá estive e recordo-me da visita à Sé onde vi o Menino Jesus da Cartolinha, exemplar raro da iconografia cristã.
Parabéns Manela.
Josefina
Olá, Tia Josefina!
O Menino Jesus da Cartolinha foi aqui bem lembrado! Obrigada! Já agora, a lenda que saiu no Diário de Notícias, em 14 de janeiro de 2000, vem a propósito: «...esta é do tempo da Guerra da Restauração. Estando Miranda cercada e quase perdida, escasseando os alimentos e não aparecendo reforços (...) às tantas ouviu-se um grito sobreposto às palavras dos que aconselhavam a rendição. Um grito galvanizador. E entre lanças, espingardas, espadas e enxadas, pás, machados e picaretas, a turba mirandesa abriu as portas, mas não para se render. Caiu, isso sim, sobre os castelhanos, correndo com eles. Quem deu o grito? Quem os comandou? Pois, um menino. Um menino que todos diziam estar assim vestido, o Menino Jesus da Cartolinha.(...) Promoveram-no capitão da tropa lusa e no dia de Santa Bárbara ele vai em procissão.» O jornalista acrescenta que este Menino tem sexo. E explica, com alguma ironia: «Pois, para a arrancada vitoriosa, no âmbito do machismo nacional, ou os tinha no sítio ou a esta hora em Miranda do Douro falava-se mais espanhol do que se fala aos fins-de-semana...»
Gostei da lenda que está muito bem transmitida. Dás bons ensinamentos.
Um beijo,
Josefina
mana especial sempre
mana sempre especialíssima
Olá, mana Altina! Tão grande elogio por tão pequena tarefa?... ;-) Obrigada!
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