quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Antologia


Quero que me oiças
sem me escutares,
quero que me oiças
sem me julgares.

Quero muitas vezes que me dês opinião
sem me aconselhares,
quero que olhes por mim
sem te projectares em mim,
que me abraces
sem me asfixiares,
que te apoies em mim
sem te encarregares de mim,
que te aproximes
sem me invadires,
que conheças as coisas que te desagradam em mim
e as aceites,
que cuides de mim
sem me anulares
e sejas capaz de estar ao pé de mim
sem te anulares.

Assim,
podes contar comigo
sem condições.

Jorge Bucay
.......................

Jorge Bucay é argentino; médico ("psi") e escritor de grande renome.
Podes saber mais, aqui:



Amores perfeitos

Existirão amores perfeitos?

Sonhadores sequiosos de felicidade, temos essa aspiração enraizada dentro de nós.
A multifacetada realidade nem o confirma nem o desmente...

Os vizinhos de cima divorciaram-se. Quem diria? Tão novos! E pareciam tão felizes!...


Os vizinhos do lado, casados de longa data, certamente nunca pensaram separar-se. Vivem numa partilhada rezinguice crónica que lhes preenche o quotidiano, fazendo-os sentir-se vivos e acompanhados. Pior seria a solidão, acreditam.

O vizinho do 1º, suspeito eu, não pensou assim. O casal mudou-se para cá há pouco. Nada sabemos do seu passado, excepto o que é observável à primeira vista: os cabelos grisalhos dele contrastam com a juventude dela...

O adolescente do 3º, há meses a fio, é visto com a mesma amiga. Descontraídos, andam de mãos dadas, conversam sobre tudo ou nada, olham-se nos olhos, trocam carícias...; ingenuamente, confiam que o seu amor durará para sempre... Ilusão? Ou não?...

O viúvo continua só. Circunstância?... Opção?... Terá conhecido alguém-algures...?... Real? Virtual...?... Quererá, algum dia, que esse alguém invada o espaço privado da sua vida?... Aceitará prescindir da independência e da liberdade que hoje tanto preza?...

Naqueles dias em que seguramente estará só - nos dias de festa, aos domingos, nas férias de Verão... -, a vizinha solitária do prédio em frente planifica e gere o seu tempo em liberdade. Vai ao cinema, visita a família, sai com amigos.

Nos outros dias, espera... Será ele quem agendará o desejado encontro - quando puder, quando quiser. Ela espera sem remorso: ele contou-lhe que não é feliz! E acalenta uma esperança: um dia, terão mais tempo para si...

No bairro, ela ignora alguns masculinos olhares cobiçosos e outros tantos vigilantes olhares femininos...

Aquele correspondente holandês que exibia orgulhosamente a sua aliança, revelando simultaneamente que era casado com um português - o vizinho do rés-do-chão, imigrante no seu país - deixou de escrever. Trabalho em excesso?... Ou terá perdido a motivação para saber mais português e praticar a língua escrita?... Continuarão unidos, felizes?... Um dia o saberemos...

Haverá amores perfeitos!?
De certeza! Acreditamos que sim!
Pelo menos enquanto durarem... e forem sentidos como perfeitos.

E afinal todos sabemos que há mesmo amores-perfeitos.
Ou tinham-se esquecido?...




Dedico este par de amores-perfeitos a todos aqueles que acreditam... E também aos outros!