sexta-feira, 6 de março de 2020

Mulheres: sedução, submissão, insubmissão...


XERAZADE

Para se vingar de uma, que o atraiçoara, o rei degolava todas.
Casava-se ao crepúsculo e ao amanhecer enviuvava.
Uma após outra, as virgens perdiam a virgindade e a cabeça.
Xerazade foi a única que sobreviveu à primeira noite, e depois continuou a trocar um conto por cada novo dia de vida.
Estas histórias por ela escutadas, lidas ou inventadas, salvavam-na da decapitação. Contava-as em voz baixa, na penumbra da alcova, sem outra luz que não a da lua. Sentia prazer ao contá-las, e prazer oferecia, mas tinha muito cuidado. Às vezes, enquanto narrava, sentia que o rei estava a estudar-lhe o pescoço.
Se o rei se aborrecesse, ela estava perdida.
Foi do medo de morrer que nasceu a mestria de narrar.


ALERTA: BICICLETAS!

A bicicleta fez mais do que muito e mais do que qualquer pessoa pela emancipação das mulheres no mundo – dizia Susan Anthony.
E dizia a sua companheira de luta; Elisabeth Stanton:
- Nós, mulheres, viajámos a pedal até ao direito de voto.
Alguns médicos, como Philippe Tissié, avisavam que a bicicleta podia provocar o aborto e infertilidade, e outros garantiam que este indecente artefacto induzia à depravação, porque dava prazer às mulheres que esfregavam as suas partes íntimas contra o assento.
A verdade é que, por culpa da bicicleta, as mulheres podiam deslocar-se por sua própria conta, desertavam do lar e desfrutavam do perigoso gostinho da liberdade. E por culpa da bicicleta, o opressivo corpete, que as impedia de pedalar, saiu do roupeiro e foi parar ao museu.

Galeano, Eduardo, Mulheres, Antígona, 2017

Na badana: «…sucedem-se nesta galeria mulheres corajosas, míticas e de carne e osso, gestos de feliz insubmissão no feminino e vidas tantas vezes invisíveis e silenciadas.»

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