XERAZADE
Para se vingar de uma, que o
atraiçoara, o rei degolava todas.
Casava-se ao crepúsculo e ao
amanhecer enviuvava.
Xerazade foi a única que
sobreviveu à primeira noite, e depois continuou a trocar um conto por cada novo
dia de vida.
Estas histórias por ela
escutadas, lidas ou inventadas, salvavam-na da decapitação. Contava-as em voz
baixa, na penumbra da alcova, sem outra luz que não a da lua. Sentia prazer ao
contá-las, e prazer oferecia, mas tinha muito cuidado. Às vezes, enquanto
narrava, sentia que o rei estava a estudar-lhe o pescoço.
Se o rei se aborrecesse, ela
estava perdida.
Foi do medo de morrer que nasceu
a mestria de narrar.
ALERTA: BICICLETAS!
A bicicleta fez mais do que muito
e mais do que qualquer pessoa pela emancipação das mulheres no mundo – dizia Susan
Anthony.
E dizia a sua companheira de luta;
Elisabeth Stanton:
- Nós, mulheres, viajámos a pedal
até ao direito de voto.
Alguns médicos, como Philippe
Tissié, avisavam que a bicicleta podia provocar o aborto e infertilidade, e
outros garantiam que este indecente artefacto induzia à depravação, porque dava
prazer às mulheres que esfregavam as suas partes íntimas contra o assento.
A verdade é que, por culpa da
bicicleta, as mulheres podiam deslocar-se por sua própria conta, desertavam do
lar e desfrutavam do perigoso gostinho da liberdade. E por culpa da bicicleta,
o opressivo corpete, que as impedia de pedalar, saiu do roupeiro e foi parar ao
museu.
Galeano, Eduardo, Mulheres, Antígona,
2017
Na badana: «…sucedem-se nesta galeria
mulheres corajosas, míticas e de carne e osso, gestos de feliz insubmissão no
feminino e vidas tantas vezes invisíveis e silenciadas.»
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