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terça-feira, 21 de abril de 2009
O meu tio
Um título destes, no singular, confundirá qualquer membro da minha família: são tantos tios (e principalmente, tias), «de quem irá ela falar?»...
Ainda no século XX, eram muito numerosas as famílias … A “demografia” não constava do léxico e certamente não estava na ordem do dia. O meu pai tinha cinco irmãos; a minha mãe, onze!
Nada de dúvidas: refiro-me ao meu mais novo tio paterno.
Moreno, conserva a pele tisnada do sol das muitas caminhadas diárias… Vertical, pugna intransigentemente pelos seus princípios… e é um prazer calcorrear a marginal a seu lado e ouvi-lo falar tempo sem fim, tomando posição sobre assuntos que vêm à baila ou evocando memórias. Algumas das quais em que sou protagonista, na juventude.
Com setenta e oito anos completos, desfia longas histórias de toda uma vida de estudo e trabalho, composta de tudo o que preenche qualquer vida intensamente vivida: muitas escolhas e lutas; êxitos e insucessos; “nódoas negras” e alegrias; motivos de satisfação e orgulho...
Para qualquer criança (ou mesmo pai) dos nossos dias, seria inimaginável viver tudo aquilo por que passou. Ele e várias outras crianças que moravam em lugarejos e cujos pais tiveram brio e posses para os “pôr a estudar”; que foram forçados a vencer duras provas.
«O que não nos mata faz-nos crescer» - dizem. Assim aconteceu.
Aos treze anos, o meu tio saiu da sua aldeia, da casa de família, e foi estudar para o Porto. Sozinho. Ano após ano, cada vez mais crescido e responsável, tratava do seu alojamento, das matrículas, da gestão da parca mesada, da organização do seu estudo… Uma autonomia e independência conquistada a pulso, de terra em terra. Do Porto para Lisboa. Mais tarde para Luanda. De novo, Lisboa...
Satisfeito, olha para trás, tenta um balanço e divide os seus anos em três fases: 1) “A vida activa”, onde aglutina quer a idade adulta quer a sua infância, precocemente amadurecida…; 2) “A reforma”, o período de liberdade para trabalhar no que deseja, com direito ao descanso de que necessita – um direito justo para todos, em qualquer idade, como ele afirma judiciosamente, contrariando, sorridente, o que sabe pela sua experiência e, sobretudo, pela sua formação em Economia...; 3) “A doença”…
O coração cansou-se. A doença coronária que recentemente se manifestou, acrescentou-lhe sentido à vida. Afinal, tem fim! Há que vivê-la. Bem. “Um dia de cada vez”.
Como? Sabemos. Vigiando a alimentação, mantendo hábitos saudáveis, praticando exercício físico com moderação… Mas há mais. Contando com a família. Cultivando amizades. Dando vida aos anos.
Envelhecemos quando desistimos de fazer coisas novas. Isso, não!
Somos velhos quando deixamos de sonhar.
Para o meu tio, “sonhos” são objectivos que nos levam a realizar projectos… Não importa a sua grandeza.
(Vem-me à ideia Fernando Pessoa: «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.»)
"Fundamental, para nos sentirmos felizes, é aprender, planear, concretizar" - conclui.
Concordo. A felicidade está bem ao nosso alcance!
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3 comentários:
Bonita analogia: A piteira é em primeiro lugar simplesmente bonita. Tem um elegante porte e perfil, altivo! Oscila mas não parte e conserva-se no seu digníssimo lugar. Ao longo da vida vai abrindo os braços e libertando mais flores, permitindo a polinização. É um exemplo de bravura perante o mau tempo passado. Os difíceis tempos passados! Muita felicidade e saúde para tão grande exemplo de vida.
“…acrescentou-lhe sentido à vida. Afinal, tem fim! Há que vivê-la. Bem. “Um dia de cada vez”…”
Linda lição sobre a vida, estou a aprender!
De facto só se entende na sua dimensão total, o sentido da vida, quando se atinge a noção real do términos de uma epopeia. Nem sempre é possível com discernimento alguém chegar a este estádio do desenvolvimento humano. É necessário atingir um certo ponto da vida física e ter a saúde mental necessária para perceber esse estado físico. É este o ponto de partida para uma nova etapa!
Obrigado pela lição, professora do ciclo da vida!
Experiência .....
Valeu a pena esperar...
Li com gosto, Obrigado!
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