
«(...) Dizem que as fotografias não mentem, mas essa é a maior mentira que já ouvi.
E foi assim, abrindo a gaveta à procura de qualquer coisa, que, sem aviso, me escorregou para as mãos uma fotografia tua tirada durante aqueles quatro dias. Fiquei a olhar-te longamente, longa, longa, longamente. Longamente me fui dando conta de que tudo aquilo acontecera mesmo: eu não o sonhara, durante vinte anos.
Nisso, quando guardam para sempre um instante que nunca se repetirá, as fotografias não mentem - esse instante existiu mesmo. Porém, a mentira consiste em pensar que esse instante é eterno, que dois amantes felizes e abraçados numa fotografia ficaram para sempre felizes e abraçados.
É por isso que não gosto de olhar para fotografias antigas: se alguma coisa elas reflectem, não é a felicidade, mas sim a traição - quando mais não seja a traição do tempo, a traição daquele mesmo instante em que ali ficámos aprisionados no tempo. Suspensos e felizes, como se a felicidade se pudesse suspender carregando no botão "pause" no filme da vida. (...)»
Miguel Sousa Tavares, No teu deserto, Oficina do Livro, 2009
Manuela, que emoção este seu blog, que bom saber de si. Gostei. Vou andar por aqui.
ResponderEliminarTal com a história, por certo é necessário deixar que as fotografias absorvam o tom sépia do tempo. Quando as fotografias tiverem aquela cor quente, Sérpia, então não recordaremos o momento, o instante, as mágoas do passado. Recordaremos tempos passados, feridas saradas, a nossa juventude. Uma imensidão de saudosos ou namargos momentos.
ResponderEliminarDepois da travessia do deserto, teremos a sabedoria de saber contar uma história passada, amarguradamente ou deliciosamente passada.
Como diz o autor, a fotografia é um instante que nunca se repetirá. Para os amantes é tão simplesmente um momento de amor.